Abaixo os Pobres
A minha formação política data de uma época em que a ideologia estava na base dos alinhamentos partidários e das militâncias.
O lado esquerdo era fustigado pela maré dos vários marxismos. O marxismo-leninismo ortodoxo com os seus três ramos principais, estalinista, trotzquista e maoísta. O marxismo revisionista do PCUS e dos partidos comunistas europeus pós estalinistas, e o socialismo de inspiração marxista dos partidos socialistas, com destaque para o francês de “notre ami Mitterrand”.
À direita imperava a democracia cristã, sustentada pelo personalismo de Emmanuel Mounier, pelas encíclicas papais destilando bençãos do Concílio Vaticano II, e pelo humanismo tomista de Jacques Maritain. Quanto aos xenófobos, racistas convictos, elitistas e nacionalistas, minavam a coberto do anonimato, uma vez que a demasiado recente Guerra Mundial e o Holocausto aconselhavam uma prudente espera antes de se assumirem publicamente.
No meio, debaixo de um chapéu de chuva vagamente liberal, ou social-democrata ou social-outra-coisa-qualquer, sempre muito pouco democrata e ainda menos social, apareciam trabalhistas, partidos populares, democratas, liberais e neo-liberais, apostando no governo das oligarquias financeiras esclarecidas dos banqueiros e outros capitalistas, mais ou menos intermediadas por modelos e chavões de cariz tecnocrático, defendendo um estado mínimo, que o mercado, fonte de toda a riqueza e de toda a equidade, se encarregaria da justiça social, do acesso à educação e à saúde, e da sobrevivência dos velhos.
Claro está que o mercado não se encarregou de nada disso. Como seria de esperar, o mercado limitou-se a funcionar de acordo com a sua natureza e a sua regra fundamental: dinheiro chama dinheiro.
A história tem demonstrado à saciedade que nem é destino dos pobres enriquecerem, nem é destino dos ricos empobrecerem.
Nos anos que se seguiram à minha formação deixou de se ouvir falar de materialismo dialético,de idealismo, de personalismo, e deixou igualmente de se ouvir falar de comunismo, de socialismo, de liberalismo e de fascismo, a não ser quando se queria chamar filho de puta a alguém.
Vivemos, por fim, num caldo democrático. A América é uma democracia. A China é outra. Israel outra, o Japão outra e Angola outra. Cuba está para entrar no clube, e já há sinais de a Coreia do Norte poder vir a figurar, nos próximos meses, entre as grandes democracias asiáticas, as democracias do Brunei, das Filipinas e de Taiwan.
Escusado será dizer, que em todos estes países, quem manda é Salazar. Nos Estados Unidos os americanos podem votar em toda a gente, desde que toda a gente seja os dois candidatos, republicano não-democrata e democrata não-republicano, que o Golden Sachs e o Morgan Chase e mais umas dúzias de patriotas, imbuídos do mais genuino “american dream-yes we can”, lá põem para a rapaziada votar.
Na China os chineses podem votar em toda a gente, desde que toda a gente seja o líder do Partido Comunista chinês, ele próprio tão liberal, que não teve dúvidas em abraçar o comunismo capitalista. Resta-nos agora esperar que a Coreia proclame o capitalismo comunista, uma espécie de capitalismo de massas, em que todos somos capitalistas, mesmo sem capital, uma coisa assim como as quotas a realizar, sustentada pela mais alargada democracia.
E é bem verdade que há que enaltecer esta democracia, cada vez mais alargada, para uns inventada por Plutarco, para outros por João Sem-Terra e para outros por Robespierre, da qual as populações da Síria e do Iraque, do Curdistão e do Afeganistão, da Venezuela e de Moçambique, para não falar na República Centro-Africana, todos os dias colhem os benefícios.
Pois não foi ela que permitiu que Eduardo dos Santos, um guerrilheiro pobre,se tornasse um magnata da finança mundial, tal como permitiu a Al Capone abandonar a pobre barbearia de Brooklin e estabelecer-se na South Prairie Avenue, de Chicago?
Que um pobre judeu russo, filho de uma família que habitava um pequeno apartamento do Estado, tenha hoje um iate e um Boeing 767? E o Chelsea?
A democracia tem estas generosidades inegáveis que testemunham bem que todos, se quisermos, podemos ter Boeings estacionados no quintal. Além de permitir, magnanimamente, que os ricos fiquem mais ricos, ainda selecciona ao acaso uns quantos pobres para se lhes juntarem. Lucky Luciano, J. P. Morgan, Sergei Mikhailov, Mark Sachs, que antes de se juntar a Morgan era vendedor ambulante de géneros numa carrocinha puxada por um macho nas ruas de Filadélfia?
Pode assim dizer-se que, esgotadas as ideologias, vivemos num mundo pragmático onde quem tem unhas é que toca viola, isto é, quem é rico ou nasceu com essa sagacidade única de transferir a riqueza para si próprio, criando-a, a partir do nada, com o seu engenho e trabalho árduo.
De tal forma que hoje só consigo encontrar uma definição de esquerda, que quer que os pobres vivam um pouco menos mal, ainda que os ricos possam viver um pouco menos bem, e de direita, que quer que os ricos tenham cada vez mais, ainda que os pobres tenham cada vez menos.
Quanto ao centro, nestes tempos modernos, vive na ansiedade permanente de saber para que lado cair e evitar erros empobrecedores, e vão assim oscilando sem se apartarem nunca do grande desígnio que nos une a todos: eliminar os pobres, nem que seja a tiro.
O lado esquerdo era fustigado pela maré dos vários marxismos. O marxismo-leninismo ortodoxo com os seus três ramos principais, estalinista, trotzquista e maoísta. O marxismo revisionista do PCUS e dos partidos comunistas europeus pós estalinistas, e o socialismo de inspiração marxista dos partidos socialistas, com destaque para o francês de “notre ami Mitterrand”.
À direita imperava a democracia cristã, sustentada pelo personalismo de Emmanuel Mounier, pelas encíclicas papais destilando bençãos do Concílio Vaticano II, e pelo humanismo tomista de Jacques Maritain. Quanto aos xenófobos, racistas convictos, elitistas e nacionalistas, minavam a coberto do anonimato, uma vez que a demasiado recente Guerra Mundial e o Holocausto aconselhavam uma prudente espera antes de se assumirem publicamente.
No meio, debaixo de um chapéu de chuva vagamente liberal, ou social-democrata ou social-outra-coisa-qualquer, sempre muito pouco democrata e ainda menos social, apareciam trabalhistas, partidos populares, democratas, liberais e neo-liberais, apostando no governo das oligarquias financeiras esclarecidas dos banqueiros e outros capitalistas, mais ou menos intermediadas por modelos e chavões de cariz tecnocrático, defendendo um estado mínimo, que o mercado, fonte de toda a riqueza e de toda a equidade, se encarregaria da justiça social, do acesso à educação e à saúde, e da sobrevivência dos velhos.
Claro está que o mercado não se encarregou de nada disso. Como seria de esperar, o mercado limitou-se a funcionar de acordo com a sua natureza e a sua regra fundamental: dinheiro chama dinheiro.
A história tem demonstrado à saciedade que nem é destino dos pobres enriquecerem, nem é destino dos ricos empobrecerem.
Nos anos que se seguiram à minha formação deixou de se ouvir falar de materialismo dialético,de idealismo, de personalismo, e deixou igualmente de se ouvir falar de comunismo, de socialismo, de liberalismo e de fascismo, a não ser quando se queria chamar filho de puta a alguém.
Vivemos, por fim, num caldo democrático. A América é uma democracia. A China é outra. Israel outra, o Japão outra e Angola outra. Cuba está para entrar no clube, e já há sinais de a Coreia do Norte poder vir a figurar, nos próximos meses, entre as grandes democracias asiáticas, as democracias do Brunei, das Filipinas e de Taiwan.
Escusado será dizer, que em todos estes países, quem manda é Salazar. Nos Estados Unidos os americanos podem votar em toda a gente, desde que toda a gente seja os dois candidatos, republicano não-democrata e democrata não-republicano, que o Golden Sachs e o Morgan Chase e mais umas dúzias de patriotas, imbuídos do mais genuino “american dream-yes we can”, lá põem para a rapaziada votar.
Na China os chineses podem votar em toda a gente, desde que toda a gente seja o líder do Partido Comunista chinês, ele próprio tão liberal, que não teve dúvidas em abraçar o comunismo capitalista. Resta-nos agora esperar que a Coreia proclame o capitalismo comunista, uma espécie de capitalismo de massas, em que todos somos capitalistas, mesmo sem capital, uma coisa assim como as quotas a realizar, sustentada pela mais alargada democracia.
E é bem verdade que há que enaltecer esta democracia, cada vez mais alargada, para uns inventada por Plutarco, para outros por João Sem-Terra e para outros por Robespierre, da qual as populações da Síria e do Iraque, do Curdistão e do Afeganistão, da Venezuela e de Moçambique, para não falar na República Centro-Africana, todos os dias colhem os benefícios.
Pois não foi ela que permitiu que Eduardo dos Santos, um guerrilheiro pobre,se tornasse um magnata da finança mundial, tal como permitiu a Al Capone abandonar a pobre barbearia de Brooklin e estabelecer-se na South Prairie Avenue, de Chicago?
Que um pobre judeu russo, filho de uma família que habitava um pequeno apartamento do Estado, tenha hoje um iate e um Boeing 767? E o Chelsea?
A democracia tem estas generosidades inegáveis que testemunham bem que todos, se quisermos, podemos ter Boeings estacionados no quintal. Além de permitir, magnanimamente, que os ricos fiquem mais ricos, ainda selecciona ao acaso uns quantos pobres para se lhes juntarem. Lucky Luciano, J. P. Morgan, Sergei Mikhailov, Mark Sachs, que antes de se juntar a Morgan era vendedor ambulante de géneros numa carrocinha puxada por um macho nas ruas de Filadélfia?
Pode assim dizer-se que, esgotadas as ideologias, vivemos num mundo pragmático onde quem tem unhas é que toca viola, isto é, quem é rico ou nasceu com essa sagacidade única de transferir a riqueza para si próprio, criando-a, a partir do nada, com o seu engenho e trabalho árduo.
De tal forma que hoje só consigo encontrar uma definição de esquerda, que quer que os pobres vivam um pouco menos mal, ainda que os ricos possam viver um pouco menos bem, e de direita, que quer que os ricos tenham cada vez mais, ainda que os pobres tenham cada vez menos.
Quanto ao centro, nestes tempos modernos, vive na ansiedade permanente de saber para que lado cair e evitar erros empobrecedores, e vão assim oscilando sem se apartarem nunca do grande desígnio que nos une a todos: eliminar os pobres, nem que seja a tiro.
Francisco Rodrigues Pereira
Vila Franca de Xira, 3 de Outubro de 2018
Vila Franca de Xira, 3 de Outubro de 2018